Apesar de amplamente evitável, a mortalidade materna no Brasil continua elevada, especialmente entre mulheres pretas, que apresentaram taxas 2,3 vezes maiores do que as observadas entre mulheres brancas entre 2010 e 2023. Nesse período, a razão da mortalidade materna entre mães pretas foi de 108,6 óbitos por 100 mil nascidos vivos, enquanto entre as mães brancas foi de 46,9 e entre as pardas de 56,6. Os dados são do Boletim Çarê-IEPS n.7 – Mortalidade Materna, elaborado por pesquisadores da Cátedra Çarê-IEPS, uma parceria entre o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Instituto Çarê, lançado nesta quinta-feira (10).
A pandemia de Covid-19 foi um momento especialmente crítico para as gestantes pretas. De acordo com o boletim, houve um crescimento expressivo na mortalidade materna durante a pandemia, com aumento mais acentuado entre mães pretas. Em 2021, ano mais crítico da emergência sanitária, as taxas chegaram a 179,4 óbitos por 100 mil nascidos vivos entre mulheres pretas, 103,8 entre brancas e 94,4 entre pardas.
Após esse período, mesmo com redução, as taxas permaneceram elevadas e desiguais. Em 2023, por exemplo, a razão de mortalidade materna entre mulheres pretas foi de 70,4, número acima da meta da Organização Mundial da Saúde de até 70 óbitos por 100 mil nascidos vivos.

Óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos por raça e ajustado pela idade da mãe. Fonte: Boletim Çarê-IEPS n.7 com dados do SINASC/SIM
Lucas Falcão, pesquisador da Cátedra Çarê-IEPS e um dos autores do estudo, destaca que os dados evidenciam a permanência de desigualdades raciais estruturais no cuidado em saúde das mulheres negras. “A elevada e evitável mortalidade materna de gestantes negras é um sintoma alarmante da desigualdade racial no país. Ainda que o Brasil possua um sistema de saúde com virtudes, é evidente a necessidade de termos políticas de equidade racial mais eficazes e objetivas para enfrentar essa realidade. Um exemplo central é a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra que, embora seja um marco essencial desde 2009, não detalha ações concretas nem orçamento, tampouco estabelece metas específicas, inclusive para o cuidado pré-natal”, afirma.
Gestantes pretas também registraram as maiores taxas de mortalidade para todas as causas de intercorrências obstétricas analisadas: 11,2 óbitos por eclâmpsia, 8,4 por hemorragia e 10,3 por sepse, por 100 mil partos.
Acesso à pré-natal cresce nos últimos 13 anos, mas desigualdade racial se mantém
Entre 2010 e 2023, houve avanço no número de gestantes que realizaram sete ou mais consultas de pré-natal. Entre mulheres pretas, a proporção passou de 62,1% para 74,8%; entre pardas, de 61,3% para 74,4%; e entre brancas, de 75,2% para 83,8%.
Ainda assim, gestantes pretas e pardas são maioria nas faixas de menor cobertura. Em média, 2,4% dessas mulheres não realizaram nenhuma consulta de pré-natal no período, o dobro do observado entre mulheres brancas (1,1%).
Registros de raça/cor crescem e maior proporção de nascimentos é entre mães pardas
No que se refere à idade das gestantes, o Boletim mostra que mães pretas e pardas tendem a ter filhos em idades mais jovens. Entre 2012 e 2023, por exemplo, 45,9% dos partos entre mães pardas ocorreram entre 15 e 24 anos. Já entre mães brancas, 38,1% dos partos se concentraram na faixa dos 30 aos 39 anos, revelando uma tendência de gravidez em idades mais avançadas neste grupo.
Em relação a distribuição da fecundidade por raça/cor, o estudo mostra que a maioria dos nascimentos foi entre mães pardas, cuja proporção passou de 52,1% para 55,7%. Entre mães pretas, o aumento foi mais discreto, de 5,3% para 7,7%. Já a proporção de nascimentos entre mães brancas caiu de 37,5% para 33,1%.
Lucas Falcão ressalta que a análise da composição demográfica do país é essencial para compreensão das taxas de mortalidade materna apresentadas no estudo. “A idade e a fecundidade das mães influenciam diretamente a interpretação dessas taxas. Partos em idades mais jovens podem aumentar a exposição a riscos sociais e estruturais entre mães pretas e pardas. No caso das mulheres brancas, embora a gravidez em idades mais avançadas represente maior risco clínico, isso nem sempre se traduz em maiores taxas de mortalidade.”