O Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), promoveu na última quarta-feira (23), no Hotel Brasília Palace, em Brasília, o evento “Resultados e Experiências dos Pacientes como Eixo de Transformação para a Atenção Primária no Brasil”. O encontro marcou o lançamento do PaRIS – Patient-Reported Indicator Surveys no país, um estudo internacional elaborado pela OCDE, que reúne uma análise pioneira sobre a atenção primária em 19 países.
Com o objetivo de debater caminhos para tornar o sistema de saúde brasileiro mais centrado nas necessidades e experiências dos usuários, o evento reuniu secretárias e secretários do Ministério da Saúde, secretários estaduais e municipais de diversas regiões, representantes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias municipais de Saúde (CONASEMS), de organizações internacionais e do terceiro setor e pesquisadores e acadêmicos.
Miguel Lago, diretor executivo do IEPS, destacou que o PaRIS tem condições de transformar a conversa sobre saúde não só no Brasil, mas no mundo, porque é capaz de mudar a perspectiva de como a qualidade na atenção básica de saúde é enxergada. “É preciso olhar cada vez mais para o paciente, refletindo sobre o que é qualidade e como ela é percebida pelos usuários dos sistemas de saúde. A OCDE já fez, no passado, o PISA, que mudou a conversa sobre as políticas de educação, e é muito possível que a gente vá num caminho parecido com o PaRIS nos debates sobre a Atenção Primária à Saúde”, afirmou.

Frederico Guanais, Miguel Lago e Adriano Massuda durante a mesa de abertura do evento. Fonte: Soma Films/IEPS
Medindo o que realmente importa: PaRIS pode ser o Pisa da Saúde
A mesa de abertura contou com a presença de Miguel Lago, Frederico Guanais, chefe adjunto da Divisão de Saúde da OCDE e Adriano Massuda, secretário-executivo do Ministério da Saúde. Massuda ressaltou que a atenção primária e o SUS são fortalecidos por estratégias que levam em conta a escuta dos usuários. “Atenção primária no Brasil é uma das maiores atenções primárias do mundo, com mais de 70% da população coberta por equipes de saúde da família. Mas ainda é possível e necessário aprimorar, olhar para a percepção do usuário sobre o quanto a unidade básica de saúde está sendo acessível, está inovando para facilitar o acesso, com consultas online, por exemplo”, destacou.
Na sequência, Guanais apresentou o estudo PaRIS, destacando que esta é uma iniciativa pioneira que busca preencher uma lacuna histórica nas avaliações de sistemas de saúde: a ausência das vozes dos próprios pacientes. O estudo estabelece um novo padrão internacional para a saúde, e foi realizado a partir da coleta de dados de mais de 107 mil pessoas com 45 anos ou mais atendidas em 1.800 unidades de atenção primária em 19 países, analisando questões como tempo, tranquilidade no cuidado e tratamento recebido pelos pacientes.
Para Guanais, o PaRIS se propõe a mudar a lógica de avaliação das políticas de saúde, impulsionando as vozes dos pacientes para o centro das tomadas de decisões. Segundo ele, o estudo já está dando frutos, pois Portugal, um dos países investigados no estudo, já se mobilizou para adotar medidas baseadas nos resultados da pesquisa. “Quero que, na próxima rodada do PaRIS, o Brasil faça parte desse estudo, para que possamos, em escala nacional, usar esses dados para revolucionar e para melhorar cada vez mais a atenção primária no Brasil, que já é muito boa, que tem boas experiências, mas que sempre deve estar olhando para o futuro”, destacou.
Experiências no Brasil: debates sobre medição e monitoramento de políticas públicas
Na parte da tarde, o evento promoveu dois debates que aprofundaram os desafios e oportunidades para tornar a atenção primária brasileira mais responsiva às necessidades dos usuários. A primeira mesa, mediada por Frederico Guanais, debateu os caminhos para incorporar indicadores baseados nas experiências e nos resultados relatados pelos pacientes, a partir do PaRIS e de outras experiências concretas na gestão pública.
Dirceu Klitzke, coordenador-geral de programação de financiamento da Atenção Primária do Ministério da Saúde, reforçou que a escuta dos usuários é essencial para as políticas públicas, e deve ser uma medida para todas as esferas de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). “Tanto o Ministério da Saúde quanto o gestor local, o gestor estadual, ele precisa criar métodos permanentes de escutar o trabalhador e o usuário para, de forma contínua, gerar melhorias na política pública. A qualidade da escuta e as decisões dos gestores a partir da percepção dos usuários estão diretamente relacionadas com a qualidade da entrega da política pública”.

Frederico Guanais, Luciana Albuquerque e Daniel Faleiros, Rita Cataneli e Dirceu Klitzke durante a primeira mesa de debates. Fonte: Soma Films/IEPS
Luciana Albuquerque, secretária de saúde do Recife, compartilhou a experiência de sucesso do projeto Recife Monitora, realizado na capital pernambucana em parceria com o IEPS. A iniciativa premiada implementou um sistema de monitoramento da qualidade da saúde no município a partir da percepção dos cidadãos recifenses, dos profissionais de saúde da atenção básica e da avaliação do desempenho dos serviços de saúde prestados. “O Recife Monitora foi uma importante parceria realizada entre a Prefeitura do Recife e o IEPS. Já são mais de 300 mil avaliações de satisfação do usuário realizadas e mais de 30% de melhoria da classificação dessas unidades em zona de excelência. A gente tem expandido a atenção básica com qualidade”, afirmou.
Rita Cataneli, coordenadora técnica do CONASS, ressaltou que o monitoramento em saúde no Brasil ainda é incipiente e pouco influente na tomada de decisão e defendeu a superação da fragmentação do sistema por meio da governança em redes, com a APS como coordenadora do cuidado. Cataneli reforçou a necessidade de integrar bases de dados, incorporar tecnologias de autocuidado, adotar o pagamento por desempenho e ampliar o gasto federal em saúde para 6% do PIB, fortalecendo a gestão e a contratualização de metas nos municípios.
Daniel Faleiros, coordenador técnico do CONASEMS, destacou que a Atenção Básica no Brasil ainda carece de capacitação tecnológica entre seus profissionais e que sua organização é fundamental para estruturar os demais níveis de atenção. Para ele, é importante que haja uma defesa do financiamento, tecnologia e uma cultura de planejamento, com uso qualificado dos dados — não apenas para fiscalização, mas como base para a tomada de decisão. Faleiros reforçou ainda a necessidade de sistemas integrados entre estados e municípios, com salas de situação para monitoramento contínuo.
Tecnologia, participação e equidade: o papel da digitalização no fortalecimento do cuidado
A segunda mesa, mediada por Miguel Lago, debateu a digitalização e apontou para a necessidade do uso da tecnologia como ferramenta para ampliar a escuta e a participação dos usuários. Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, apresentou um panorama geral sobre a saúde digital no SUS, a partir da implementação do SUS Digital e do Índice Nacional de Maturidade da Saúde Digital – INMSD.
Haddad destacou que a saúde digital é uma prioridade no SUS, com incentivo para a adesão de ferramentas como telessaúde, prontuário eletrônico e organização dos sistemas de informação. Para ela, parte essencial da transformação digital é a escuta dos relatos e da experiência dos pacientes. “A centralidade do usuário é um princípio muito importante do SUS e é a partir dela que percebemos se tem ajustes que a gente precisa fazer, seja no nível da micropolítica, que é no nível local, ou da indução que se faz no nível federativo, seja municipal, estadual ou até nacional”, afirmou.

Miguel Lago, Francisco Gaetani, Ana Estela Haddad, Vera Schattan e James Berson Lalane durante a segunda mesa de debates. Fonte: Soma Films/IEPS
Francisco Gaetani, secretário extraordinário para a Transformação do Estado, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, trouxe a perspectiva do envolvimento da população nas políticas públicas em geral, propondo um paralelo com o campo e os desafios da saúde. Para o secretário, é importante desestigmatizar alguns conceitos como eficiência, produtividade e avaliação, para que seja possível aprimorar o sistema e os serviços de saúde, o que pode contribuir para a melhoria da experiência e dos resultados para os usuários. Por outro lado, Gaetani ressalta que o envolvimento do paciente também deve passar pela promoção da responsabilidade individual sobre a própria saúde.
Os desafios sociais, como o acesso desigual à internet e os determinantes sociais da saúde, como a raça, também foram tema de debate. James Berson Lalane, gestor de políticas públicas e doutorando na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apontou as desigualdades de acesso à internet no Brasil como fator determinante a ser considerado no debate sobre digitalização de serviços públicos. Para ele, as profundas desigualdades de acesso à internet são fortemente marcadas por recortes de renda, raça e escolaridade e o tipo de conexão disponível e nos dispositivos utilizados, principalmente entre celular e computador, influenciam fortemente a experiência de conexão, o que pode prejudicar a população de menor renda negra, que enfrentam as maiores barreiras de conectividade.
Por fim, Vera Schattan, coordenadora do Núcleo de Cidadania, Saúde e Desenvolvimento do CEBRAP, destacou a importância de cruzar a fronteira da inclusão dos pacientes como produtores rotineiros de informação, valorizando suas experiências no cuidado. Schattan marcou a importância do uso de aplicativos municipais integrados ao Conecte SUS, promovendo a padronização de dados, e a ampliação da participação dos usuários na definição dos rumos do sistema, e enfatizou a necessidade de enfrentar vieses, investir na qualidade da informação e realizar avaliações individuais e coletivas. Para ela há possibilidade de avanço em duas das três frentes do PaRIS, com destaque para a terceira: a comparação de desempenho e identificação de características dos sistemas por meio de avaliações amostrais.