Cresce número de clínicas populares e pessoas sem planos de saúde que pagam “do próprio bolso” por serviços de saúde
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Mais brasileiros sem planos de saúde estão pagando diretamente por serviços de saúde privados. Entre 2013 e 2019, houve um crescimento de 10% para 14% na demanda por essa modalidade de acesso à serviços de saúde. O mercado privado acompanhou o crescimento, expandindo a oferta de clínicas privadas, em especial das chamadas “clínicas populares”, que registraram um aumento de quase 200% no número de estabelecimentos entre 2018 e 2022.  Os dados são do estudo “A expansão na demanda e oferta das clínicas populares no Brasil”, que integra a pesquisa Setor Privado e Relações Público-Privadas da Saúde no Brasil: Em Busca do Seguro Perdido, lançado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e pela Umane em outubro do ano passado. 

De acordo com o estudo, pessoas sem planos de saúde, brancas, pertencentes às faixas de renda mais baixas, mas ainda com alguma capacidade de pagamento por consultas e exames, e empregadas no setor formal são as que mais recorrem às clínicas populares. Uma das explicações do estudo são as longas filas de espera por consultas especializadas e exames diagnósticos no SUS e as estratégias de atração desse setor de saúde privada. 

As clínicas populares apostam em preços acessíveis, muitas vezes inferiores aos cobrados por médicos particulares, e em estratégias de marketing e fidelização dos clientes, por meio, por exemplo, de cartões de benefícios. Uma tentativa do setor, reforça o estudo, em se consolidar com uma uma rede alternativa de assistência à saúde em relação ao SUS e aos planos de saúde tradicionais. 

Esse movimento representa uma fragmentação do sistema de saúde, o que impede que ações importantes para que estratégias do SUS sejam bem-sucedidas, como o cuidado preventivo e longitudinal. Segundo as recomendações do estudo, além do fortalecimento do SUS, é preciso haver uma prestação de contas por parte do sistema privado, com compartilhamento obrigatório de dados e informação para evitar a fragmentação do sistema de saúde.

Necessidade de supervisão e regulamentação pela ANS

Além da fragmentação, o estudo destaca os riscos da ausência de regulamentação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Principalmente, em relação aos cartões de benefícios e os programas de fidelização, que podem causar conflitos de interesse, práticas comerciais abusivas, como vendas casadas e procedimentos desnecessários, e oferta de serviços que não cumprem as obrigatoriedades legais de seguros de saúde. Uma das recomendações é atualizar a legislação e determinar a natureza desses serviços, se produtos financeiros ou uma forma de seguro de saúde parcial, para garantir adequação à legislação e proteção do consumidor.

A falta de regulamentação e supervisão desses serviços também prejudica o controle de qualidade e as práticas desses prestadores. Atualmente, a ANS regulamenta apenas as operadoras de saúde, deixando um vácuo regulatório significativo em relação aos prestadores que atendem pacientes que pagam diretamente por serviços médicos. 

Áreas periféricas e dificuldade de acesso ao SUS

Os grupos empresariais apostam em localização estratégica para instalar clínicas populares. O estudo mostra a presença em áreas com maior população de classe econômica mais baixa e que enfrentam maior dificuldade para acessar os serviços de saúde do SUS.  

Clínicas populares e impactos no SUS

A implantação das clínicas populares impactam os números de consultas realizadas por meio do SUS e também a oferta de médicos. Segundo o estudo, nos bairros onde surgiram novas clínicas populares houve uma redução, no comparativo com o valor médio de 2010, de 11% no número de consultas médicas realizadas pelo SUS. A queda ocorre de maneira mais intensa a partir do segundo ano de abertura da clínica.

Já em relação à oferta de médicos, não houve uma redução significativa no número total de médicos no SUS. Por outro lado, houve um leve aumento de profissionais com duplo vínculo, ou seja, que atuam simultaneamente no SUS e no setor privado. Nesse sentido, a atração de médicos para o setor privado não significa, necessariamente, haver uma saída total do SUS.

Leia o estudo “A expansão na demanda e oferta das clínicas populares no Brasil” aqui

Acesse a pesquisa Setor Privado e Relações Público-Privadas da Saúde no Brasil: Em Busca do Seguro Perdido aqui