Depressão cresce entre brasileiros e desigualdades dificultam acesso ao tratamento, mostra estudo inédito lançado na 4ª edição do “Diálogos IEPS”
Imagem: Getty Images
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A incidência da depressão no Brasil aumentou, de 2013 a 2019, entre homens e mulheres, brancos, pretos e pardos, e em todas as regiões, faixas etárias e de renda. Porém, nem todos têm à disposição as mesmas oportunidades de tratamento. 

A conclusão é de um estudo inédito do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), liderado pelo pesquisador em economia da saúde Matías Mrejen e co-autorado pelo diretor de pesquisa do Instituto, Rudi Rocha. O estudo “Como anda a saúde mental no Brasil? Evolução, desigualdades e acesso a tratamentos” foi divulgado na quarta edição do “Diálogos IEPS”, que debateu, na terça, 26 de outubro, a saúde mental dos brasileiros. O documento faz parte da série “Olhar IEPS”, marca do policy brief do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, e abre a agenda de saúde pública do Instituto voltada para o bem-estar mental. O painel teve a participação de Magda Dimenstein, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Luciana Barrancos, gerente geral do Instituto Cactus, e Daniel Elia, coordenador de atenção psicossocial da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro.

Antes mesmo da pandemia, a depressão já afetava 10,8% da população adulta do País. Em 2013, eram 7,9%; crescimento de 36,7%. Os dados tiveram como base a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada nos anos de 2013 e 2019 e que incorpora um questionário padronizado, utilizado internacionalmente para monitorar sintomas de depressão na população.

“No Brasil, essa onda é muito preocupante porque sabe-se bem da quantidade de problemas do País, da exposição da população a questões de violência, a traumas e à falta de acesso a serviços; problemas que existem e, pelo visto, vão ser crescentes”, afirma Rudi Rocha.

Depressão é desigual entre brasileiros

Os pesquisadores do IEPS também analisaram as desigualdades na prevalência da depressão e no acesso a tratamentos. Alguns grupos da sociedade sofrem mais com o transtorno mental, assim como encontram mais barreiras na hora de buscar ajuda profissional. 

A incidência da depressão em mulheres foi mais do que o dobro do registrado em homens: 15% contra 6,1%. Na análise por faixas etárias, o maior crescimento foi entre os mais jovens. Entre 18 e 24 anos de idade, a prevalência quase dobrou, de 5,6% em 2013 para 11,1% em 2019. O cenário não foi diferente em relação à renda familiar:

“A prevalência de depressão é 36% menor entre os 20% de maior renda, em relação aos 20% de menor renda. Na média, a população de maior renda está mais empregada, é menos exposta à violência e realiza atividade física com maior frequência”, diz Mrejen. O estudo mostra que desigualdades socioeconômicas na prevalência da depressão são explicadas principalmente pela inserção no mercado de trabalho, idade, frequência de atividade física e exposição à violência.

Depressão cresce entre brasileiros e desigualdades dificultam acesso ao tratamento, mostra estudo inédito lançado na 4ª edição do “Diálogos IEPS”
Crescimento da depressão em diferentes segmentos sociais da população brasileira entre 2013 e 2019. Fonte: IEPS

Enquanto isso, a denominada “lacuna de tratamento” também é marcada por desigualdades raciais e socioeconômicas. O percentual de pessoas com sintomas condizentes com a depressão, mas que não fazem qualquer tratamento caiu, de 76,1% para 71,2% na média, entre 2013 e 2019. 

O estudo separou a população em dois grupos: “indivíduos brancos” e “indivíduos negros”, agrupando aqueles que se denominam “pretos” ou “pardos”. Entre os indivíduos pretos ou pardos e com sintomas de depressão, 74% não realizam qualquer tratamento, enquanto esse percentual cai para 67,2% entre os brancos.

Essas desigualdades raciais no acesso a tratamentos são explicadas principalmente por diferenças regionais e no nível de renda. Na região Sul e na região Sudeste, onde a maior parte da população é auto-identificada como “branca”, havia 48 e 55,3 psicólogos  e psiquiatras a cada 100.000 residentes em 2019, respectivamente. Nas regiões Norte e Nordeste havia somente 17,6 e 24,8 psicólogos  e psiquiatras respectivamente.

Depressão cresce entre brasileiros e desigualdades dificultam acesso ao tratamento, mostra estudo inédito lançado na 4ª edição do “Diálogos IEPS”
Variação dos percentuais de pessoas com sintomas de depressão, mas que não fazem tratamento. Fonte: Divulgação IEPS

 “Indivíduos brancos estão proporcionalmente mais concentrados nas faixas de renda mais elevada, onde a lacuna de tratamento é menor. Indivíduos pretos ou pardos estão proporcionalmente mais concentrados nas regiões Norte e Nordeste, onde a lacuna de tratamento é maior”, destaca o paper.

A professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Magda Dimenstein afirma que não é por acaso que esse grupos sociais estão em condição de maior vulnerabilidade: “Pessoas jovens, pretas e pardas, com baixa escolaridade e renda, e moradoras de municípios com baixo desenvolvimento socioeconômico são as que mais registram internações psiquiátricas, maior tempo de internação e que mais se matam no Brasil”.

Para Luciana Barrancos, gerente geral do Instituto Cactus, organização da sociedade civil voltada para a promoção da saúde mental, as políticas públicas precisam ter um olhar segmentado para corrigir vulnerabilidades: “Saúde mental não tem uma receita de bolo, que funcione para todo mundo e de forma igual. É preciso olhar para cada público, com suas especificidades, com os atravessamentos que a saúde mental tem, porque ela impacta e é impactada por todas as agendas sociais; impacta nos índices de educação, violência, empregabilidade e é preciso articular essa agenda de forma coordenada. 

Atenção primária conta com saúde mental, mas impacto é incerto

Em 2008, foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). Médicos especialistas e outros profissionais de saúde, como fisioterapeutas e nutricionistas, compõem os NASF. O programa de atenção comunitária recomenda a inclusão de, pelo menos, um psiquiatra, psicólogo ou terapeuta ocupacional na equipe, em alinhamento a uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), de incorporar serviços de saúde mental em todos os níveis de cuidado.

O estudo do IEPS também avaliou os efeitos da política, cujo objetivo é aumentar a presença de profissionais de saúde mental na atenção primária, nos municípios brasileiros. Na média, os NASF aumentaram a oferta de psicólogos em 5,4 profissionais a cada 100.000 residentes, 75,8% a mais em relação a antes da criação do programa. 

Em 2018, último ano considerado na análise, 4.228 municípios (76% do total) tinham recebido pelo menos um NASF. No total, existiam, naquele ano, 5.515 Núcleos. No entanto, o impacto dessa política ainda é incerto: “Não detectamos nenhum impacto em dias de afastamento pelo INSS, nem hospitalizações, nem mortalidade, mas a política talvez tenha tido impacto em desfechos menos extremos, como qualidade de vida dos pacientes e do tratamento”, diz Mrejen.

Para o pesquisador, óbitos e hospitalizações relacionadas à depressão são “desfechos extremos”, e que, em relação aos dias de afastamento solicitados pelo INSS, é preciso considerar o tamanho da informalidade do mercado de trabalho no Brasil, o que dificulta o acesso a esse benefício.

O coordenador de atenção psicossocial da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro Daniel Elia afirma que a política de saúde pública mental é internacionalmente reconhecida, mas sofreu uma reversão de prioridades: “Em 2006, o Brasil reverteu os gastos que tinha em hospitais psiquiátricos e passou a investir mais em serviços comunitários de atenção à saúde mental, mas, a partir de 2017, esse investimento se volta novamente para pagamento de leitos em ambulatórios e hospitais psiquiátricos”.

A pesquisa termina com a recomendação de que o bem-estar mental deve ser prioridade nas agendas de saúde pública no Brasil e que cresça a oferta de profissionais de saúde mental, sobretudo em regiões com maior escassez de serviços, de modo a mitigar a lacuna de tratamento e as desigualdades existentes.

Veja aqui, na íntegra, a quarta edição do “Diálogos IEPS’, que debateu a saúde mental dos brasileiros