Congresso tem mais influência que Ministério da Saúde no direcionamento de recursos para áreas essenciais do SUS
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Em 2024, a destinação de recursos para a Atenção Básica (AB) por meio das emendas parlamentares (EP) pode ser 71,9% maior que os recursos discricionários destinados pelo Ministério da Saúde. A tendência é a mesma para os recursos da Assistência Ambulatorial e Hospitalar (AHA), que pode ser 64% maior. Os dados são da Nota Técnica n. 35 – Emendas Parlamentares em saúde: para onde caminham?, elaborada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em parceria com a Umane, que analisou a execução orçamentária para a Saúde de 2016 a 2024. 

O orçamento autorizado de 2024 reforça uma tendência iniciada em 2016 e que encontra um ponto de virada em 2019, quando as destinações de recursos pelo Legislativo para a AB e para a AHA passam a preponderar em relação aos gastos discricionários do Ministério da Saúde. Entre 2016 e 2019, os valores empenhados em emendas para essas áreas mais do que quadruplicaram, passando de R$ 3,7 bilhões para R$ 16,3 bilhões. De 2019 a 2023 o crescimento de emendas para AB cresceu 16,9%, passando de R$ 8,0 bi para R$ 9,4 bi, e para a AHA o crescimento foi de 61,2%, passando de R$8,3 bi para R$13,3 bi. 

Congresso tem mais influência que Ministério da Saúde no direcionamento de recursos para áreas essenciais do SUS

Emendas parlamentares e despesas discricionárias para a Atenção Básica. Fonte: Nota Técnica n. 35 – Emendas Parlamentares em saúde: para onde caminham? com dados do SIAFI.

Congresso tem mais influência que Ministério da Saúde no direcionamento de recursos para áreas essenciais do SUS

Emendas parlamentares e despesas discricionárias para a Assistência Hospitalar e Ambulatorial. Fonte: Nota Técnica n. 35 – Emendas Parlamentares em saúde: para onde caminham? com dados do SIAFI.

“Esses dados revelam a ampliação da influência do Congresso na destinação de recursos para duas áreas essenciais da Saúde, e o consequente recuo do orçamento discricionário do Ministério da Saúde. É importante que haja equilíbrio nessa distribuição de recursos, considerando que é o Executivo o responsável pelo planejamento técnico e orçamentário para essas áreas”, explica Victor Nobre, assistente de relações institucionais do IEPS e um dos autores da pesquisa.

Cresce direcionamento de recursos via emendas parlamentares para despesas correntes da Saúde

O Legislativo também tem adquirido maior participação na destinação de recursos para as despesas correntes do orçamento da Saúde. Em 2016, as emendas respondiam por 9,3% dos recursos empenhados para despesas correntes e em 2023 esse percentual aumentou para 52,3%. Desde 2019, esse direcionamento de recursos para despesas correntes representa em média 86,2% do montante total empenhado – um aumento de 49 pontos percentuais (p.p) em comparação com 2016. As despesas correntes são responsáveis pelo custeio dos recursos físicos e humanos do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao contrário, as despesas discricionárias do Ministério da Saúde, que eram responsáveis por 90,7% dessa composição em 2016, recuaram para 47,7% em 2023, o que indica a crescente proeminência das emendas do Congresso Nacional em relação às despesas discricionárias do Executivo.

Além desse desequilíbrio entre os Poderes, Nobre destaca também um desafio em relação à transparência e fiscalização. “Uma grande parcela dos recursos direcionados às despesas correntes possuem limitações de transparência, já que são concentradas em ações orçamentárias de incremento temporário de custeio. Essa nomenclatura inviabiliza uma identificação precisa do direcionamento do recurso e dificulta a fiscalização e a avaliação das políticas públicas em que esses montantes foram alocados”, explica Victor Nobre.

O crescente direcionamento para as despesas correntes aconteceu em detrimento dos investimentos, parcela do orçamento destinada à ampliação de infraestruturas físicas e de capacidade instalada no SUS. Em 2023, por exemplo, os investimentos representaram apenas 10,2% do orçamento total empenhado por meio das emendas. Essa mudança relacionada à natureza orçamentária da despesa, aliada à queda na participação relativa do Executivo, pode levar a estagnação e sucateamento da infraestrutura já existente dos serviços de saúde.

Norte e Nordeste apresentam o maior volume empenhado de recursos de emendas per capita para Atenção Básica

O Norte do Brasil foi a região que mais recebeu recursos per capita por meio de emendas para a Atenção Básica. Em 2016 foram R$7,29 e em 2022 o valor per capita subiu para R$27,24, as cifras são, respectivamente, 43,5% e 47,6% superiores ao gasto médio per capita nacional em emendas parlamentares. Em 2022, a região apresentou o menor percentual de nascidos vivos com pré-natal adequado do país (57,5%), um importante indicador para avaliar a AB. Os três estados com maior volume de emendas individuais per capita para AB em 2022 foram Roraima, Acre e Amapá, que receberam R$80,36, R$79,22 e R$70,81, respectivamente.

Já o Nordeste foi a segunda região a receber o maior volume de recursos per capita em emendas individuais em 2022 — foram R$21,74 per capita. A região segue a tendência do Norte, figurando com um dos menores percentuais de pré-natal adequado do Brasil. Na sequência, estão o Sul (R$17,11) e Centro-Oeste (R$15,86), enquanto que o Sudeste (R$10,35) foi a região com menor valor empenhado. 

Já no orçamento para a AHA, os valores per capita destinados à região Norte foram de R$5,70 em 2016 e R$11,29 em 2022, valores 71,1% e 18,9% superiores à média nacional, respectivamente. Apesar do valor expressivo destinado para o Norte, em 2022 foi o Centro-Oeste que liderou o recebimento de emendas nessa área com R$12,34 per capita. Os mesmos três estados que apresentaram os maiores volumes de recursos empenhados por habitante em 2022 para AB receberam também mais recursos para AHA: Roraima (R$31,48), Amapá (R$29,44) e Acre (R$24,92), seguidos de Rondônia (R$22,59).

A pesquisa identificou que os recursos destinados em emendas à AB têm sido mais direcionados para as regiões com menor percentual de nascidos vivos com pré-natal adequado. Por outro lado, na comparação entre os recursos para AHA e a taxa de mortalidade materna hospitalar, não foi observado padrão definido. 

Municípios menores, com alta cobertura da Estratégia Saúde da Família  e vulnerabilidade social receberam mais recursos para AB via emendas

Outra conclusão importante da pesquisa é a priorização da destinação de recursos via emendas para municípios de pequeno porte, em detrimento dos municípios de grande porte e das metrópoles. Além do porte populacional, a pesquisa considerou também o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) e o percentual de cobertura da ESF para categorizar os municípios. Em 2022, municípios que possuíam cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) igual ou acima de 80% apresentaram, em média, maior volume de recursos empenhados para a AB do que os de menor cobertura, independente do seu porte populacional e IVS – com exceção das metrópoles. 

A relação entre a cobertura da ESF e o volume de recursos de emendas é ainda mais evidente para os municípios de pequeno porte (menos de 20 mil habitantes) e é observada desde 2016. Nesses municípios, aqueles que possuem IVS muito alto e cobertura da ESF superior a 80% receberam 27,3% mais recursos do que os municípios de mesmo porte e IVS, mas com menor cobertura da ESF. Para aqueles com IVS alto, essa diferença foi de 36%. 

Segundo a pesquisa, desde 2016 a tendência é que quanto menor o porte populacional do município, maior o volume de recursos via emendas para a Atenção Básica. Em 2022, de modo geral, os municípios com maior vulnerabilidade social receberam mais recursos destinados por emendas. Por fim, mais recursos de emendas são destinados a municípios com cobertura da ESF maior ou igual a 80%, em comparação com os de menor cobertura.

“Um ponto de atenção observado na pesquisa foi a diferença de repasse de recursos via emendas entre municípios de pequeno e de grande porte. Em 2022, por exemplo, considerando os municípios com IVS muito alto e cobertura da ESF menor que 80%, a diferença de recursos repassados para os municípios de pequeno porte foi 8x maior do que para os de grande porte. É uma disparidade que demanda reflexões sobre os critérios alocativos, ou seja, se estão ou não de acordo com as demandas de saúde de cada região. A falta de transparência das emendas acaba dificultando ainda mais a avaliação desses  repasses”, explica Nobre.

Estados com menos representantes no Congresso receberam o maior montante via emendas

A pesquisa também traz resultados que sugerem uma possível distorção na distribuição dos recursos públicos pelo Congresso Nacional em razão da sobrerrepresentação legislativa. Tanto na AB, quanto na AHA, os estados com maior volume empenhado de repasse per capita possuem 8 deputados, o número mínimo de representantes de um estado na Câmara dos Deputados. Os deputados desses estados representam menos eleitores, entre 42 mil e 68 mil, enquanto deputados de outras unidades da federação representam, em média, cerca de 200 mil eleitores. 

Valor destinado a emendas na Saúde chega a R$ 25,5 bilhões em 2024

Em 2024, os recursos em emendas chegaram a R$25,5bi, o maior da série histórica analisada na Nota Técnica n. 35. O montante mais que triplicou em relação ao valor destinado em 2016, que foi de R$7,2 bilhões e reforça uma tendência de grandes montantes orçamentários destinados por meio das emendas parlamentares – que desde 2021, já alcançava os valores os mais expressivos do período analisado, com montantes que variaram entre R$ 16,5 e R$ 22,9 bilhões. 

De acordo com a Nota Técnica n. 35, o aumento da participação das emendas no financiamento da saúde e a falta de coordenação entre Legislativo e Executivo no direcionamento de recursos é preocupante e pode acarretar o desinvestimento em políticas estruturantes do SUS, implicando em baixa qualidade do investimento e com distorções na alocação de recursos federais em termos de equidade.