A sexta edição do “Diálogos IEPS”, realizada na última terça, 15, analisou como eventuais mudanças em regras de atuação dos planos privados devem ser pensadas com cautela, diante da complexidade do sistema de saúde brasileiro.
Rudi Rocha (diretor de Pesquisa do IEPS), Ana Carolina Navarrete (coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC), Antônio Britto (diretor-executivo da Associação Nacional dos Hospitais Privados – ANAHP) e José Cechin (Superintendente Executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS) debateram a relação intrínseca entre Sistema Único de Saúde (SUS) e a saúde suplementar no webinário “Reforma da Lei dos Planos de Saúde: rumos e possíveis efeitos sobre o SUS”, mediado pelo jornalista Ricardo Gandour.
O debate promovido pelo IEPS acontece em meio aos trabalhos da Comissão Especial da Lei dos Planos de Saúde, que discute propostas de reforma da Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998. A lei instituiu o marco legal do setor de planos de saúde privados no Brasil. Entre as propostas está a eventual criação de planos mais acessíveis, subsegmentados, muitas vezes acompanhadas pelo o argumento de que a entrada de tais planos no mercado poderia “desafogar” o SUS.
No entanto, divulgada em dezembro do ano passado, a Nota Técnica do IEPS “Considerações sobre a Reforma da Lei dos Planos de Saúde e seus Possíveis Impactos sobre o SUS” alertou que o efeito pode ser, justamente, o oposto, com o risco de sobrecarga e de aumento da desigualdade no acesso aos serviços. Segundo a nota, os planos mais baratos podem até atrair mais usuários, porém, ao oferecerem cobertura mais limitada, podem concentrar os procedimentos mais complexos e caros, como internações e cirurgias, na rede pública de saúde.
No dia mundial do consumidor, a coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Ana Navarrete, destacou a importância de o debate sobre a atuação dos planos de saúde ter o SUS na centralidade.
“O Idec acompanha o mercado de planos antes mesmo da criação do marco regulatório e da Agência Nacional de Saúde (ANS), e geralmente o debate no Congresso trata o SUS de forma muito tangencial”.
Navarrete vê a Comissão reativada no ano passado como “mais do mesmo”, na tentativa de isentar os planos de cobrirem somente alguns procedimentos para doenças.
“Diante de um tratamento de câncer, um plano poderia eventualmente cobrir sessões de quimioterapia, mas não a cirurgia de retirada do tumor. Assim, se permitem modelos de negócios desenhados para captar a renda dos usuários, e não prestar o correspondente serviço”, afirmou Navarrete.
Na hora de contratar, o consumidor não sabe – e não tem como prever – qual procedimento será necessário no tratamento de uma doença. Como explicar essa fragmentação para o consumidor? É um impasse passível de judicialização
Ana Carolina Navarrete
Já Antônio Britto ressaltou a necessidade de mudanças na saúde suplementar do Brasil. Para o diretor-executivo da Associação Nacional dos Hospitais Privados (ANAHP), a desigualdade de renda e a informalidade no trabalho criam entraves para o crescimento do setor.
“Os planos individuais não conseguem avançar, por motivos próprios, e as empresas cada vez mais oferecem aos funcionários planos mais restritivos devido aos custos”.
Britto afirmou que uma eventual reforma deveria considerar três fatores: (i) deve ser resolutiva, efetiva, sem transferir ou adiar a solução do problema; (ii) não pode gerar aumento de desigualdade; e (iii) deve levar em conta uma economia cada vez menos dependente do contrato formal de trabalho e os novos padrões de empregabilidade..
O Superintendente Executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar José Cechin também citou a realidade socioeconômica do Brasil como motivo para atualizações na Lei 9.656, de 1998. Segundo ele, a legislação foi elaborada de forma “atabalhoada”, com 44 atualizações mensais. Ele defendeu o aumento do acesso à saúde suplementar diante das dificuldades de o SUS atender a demanda.
“O Brasil investe cerca de 1000 dólares por pessoa anualmente em saúde, enquanto a média europeia é de 3500 dólares. Garantir acesso não significa reduzir direitos”.
Cechin afirmou ser necessário triplicar o investimento em saúde, mas vê possibilidades remotas disso acontecer no curto prazo: por exemplo, através de aumento de impostos, o que geraria, segundo ele, resistência da população; e de realocação de recursos de outras áreas do orçamento para a saúde, diante de uma situação de limitação de recursos e de instrumentos fiscais.
O debate em torno do marco legal dos planos de saúde explicita as complexidades do sistema de saúde brasileiro e da elaboração de políticas públicas para o setor que sejam sólidas e perenes.
Coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Diretor Executivo da Associação Nacional dos Hospitais Privados (ANAHP)
Superintendente Executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS)
Professor da EAESP-FGV e Diretor de Pesquisa do IEPS