A coletânea “Mais SUS em Evidências”1 é uma realização do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde e da Umane com o objetivo de caracterizar alguns dos principais desafios enfrentados pela saúde pública brasileira e embasar a elaboração de propostas da Agenda Mais SUS, lançada em agosto de 2022.
Nos próximos anos, crescerá a tensão entre a demanda por serviços de saúde e a sustentabilidade financeira do Sistema Único de Saúde brasileiro. Esse processo está associado, sobretudo, ao envelhecimento populacional, à mudança na carga de doenças do país (Castro et al., 2019), e ao represamento de procedimentos do SUS que ocorreram durante a pandemia (Bigoni et al.,2022). Há um outro fator, no entanto, que impactará a saúde dos brasileiros e que poderá pressionar ainda mais a demanda do SUS em um futuro próximo: a piora nas condições de vida da população brasileira.
Por meio de uma ampla revisão de literatura, análise de dados primários e de entrevistas semiestruturadas com especialistas e gestores públicos, o quarto e último volume da coletânea se debruça sobre as Condições de Vida e Saúde da população brasileira, buscando descrever como os Determinantes Sociais da Saúde (DSS), que são fatores não-médicos, impactam a saúde da população. O documento não objetiva abordar a totalidade dos fatores socioeconômicos, políticos e ambientais que impactam a saúde da nossa população, mas, a partir de uma abordagem introdutória, busca reunir evidências, apresentar um panorama atualizado e jogar novas luzes a diferentes dinâmicas da vida em sociedade que impactam a vida e a saúde da população brasileira.
O primeiro, e talvez mais alarmante, aspecto discutido aqui é a deterioração recente em diferentes indicadores associados aos DSS no país. A partir de uma revisão da literatura especializada, este diagnóstico sintetiza os mecanismos pelos quais diferentes determinantes agem sobre a saúde da população e a situação dos principais indicadores: como se comportam e para onde caminham os DSS no Brasil? O que esses indicadores dizem sobre o presente e o que apontam para o futuro?
As respostas a essas perguntas exigem a análise de indicadores de DSS em seus diversos âmbitos: indicadores de renda e emprego, educação, moradia, alimentação, violência e fatores ambientais. Nos últimos dez anos, os níveis de desemprego no Brasil alcançaram níveis altos, chegando a 14%, em 2020, e só retornando em 2022 para níveis similares a 2012 (7%). A renda média das famílias permaneceu estagnada nesse período. Os indicadores educacionais mostram que um quarto das crianças de 6 e 7 anos não sabem ler. Os indicadores de desmatamento também pioraram, revelando alta na taxa de desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Os indicadores de saneamento revelam o lento avanço do saneamento no Brasil, sobretudo na região Norte. Os indicadores de déficit habitacional e moradias inadequadas permaneceram estagnados e em patamares elevados. Os indicadores sobre insegurança alimentar também apresentaram piora, atingindo 57,7% da população em 2022. Os indicadores de violência apresentaram melhora na forma de redução da taxa de homicídios; por outro lado, os homicídios afetaram desproporcionalmente mais a população negra.
A segunda parte do documento destaca que o processo de deterioração dos DSS não afeta todos os brasileiros da mesma maneira. Grupos sociais específicos como a população negra, quilombola, do campo, da floresta e águas, indígenas, LGBTQIAPN+2 e com deficiência são mais impactados e, de forma preocupante, enfrentam maiores barreiras no acesso ao SUS.
A população negra apresenta, de modo geral, piores resultados em saúde quando comparada à população branca, além de enfrentar maiores dificuldades em obter atendimento. Apesar de contar com uma política específica de saúde, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, esta ainda não foi implementada em cerca de 70% dos municípios brasileiros, e não há rubrica específica para ela no orçamento da saúde.
O mesmo acontece com as Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PCFA) e com os Povos e Comunidades Tradicionais (PCT). Apesar de terem políticas de saúde específicas, não há no orçamento rubricas específicas para a sua implementação. A exceção é a Saúde da População Indígena, que possui estrutura organizacional e orçamento específicos. Essas populações, de forma geral, enfrentam alguns desafios semelhantes, como o isolamento, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, a exposição à violência no campo, o ritmo acelerado dos impactos ambientais e a falta de reconhecimento dos saberes e práticas tradicionais dessas comunidades por parte de muitos profissionais de saúde.
Em relação à população LGBTQIAPN+, a falta de conhecimento e os preconceitos de muitos profissionais de saúde se tornam barreiras para o acesso à saúde e o cuidado integral. O estigma em relação a essa população faz com que, em muitos casos, os atendimentos sejam focados em combate às infecções sexualmente transmissíveis ou a algumas especificidades das pessoas transgênero. No geral, existe uma dificuldade em olhar a saúde das pessoas LGBTQIAPN+ na sua integralidade.
Por fim, a análise em relação a pessoas com deficiência aponta que estas frequentemente são atendidas nas condições relativas à sua deficiência, tendo seu cuidado centrado na atenção especializada, muitas vezes sem a efetiva participação da Atenção Primária e sem um cuidado integral.
Destaca-se que as análises sobre as condições de vida e saúde desses grupos populacionais não dispõem do mesmo nível de informação, tendo em vista que diversas lacunas de indicadores, estudos e políticas foram identificadas na elaboração deste documento. Faz-se imprescindível que as informações sobre saúde possam ser desagregadas conforme os diferentes grupos populacionais. Por exemplo, informações sobre orientação sexual e gênero, sobre se a pessoa tem deficiência, ou ainda, se ela pertence a algum grupo prioritário das políticas sociais precisam estar em todos os sistemas da saúde, da mesma forma que a partir de 2017 passou a ser obrigatório a inclusão da informação sobre raça/cor. Ainda, é preciso que essas populações sejam postas em destaque no planejamento e no orçamento das ações de saúde, além de serem protagonistas do planejamento das políticas públicas voltadas a elas.
Os achados desse diagnóstico apontam para a necessidade de um olhar holístico e abrangente em relação ao desenho e à implementação de políticas de saúde no país. Estas não devem se ater somente às estratégias assistenciais operadas pelo SUS, mas considerar as diferentes condições de vida dos grupos sociais existentes no Brasil, pois elas influenciam seus resultados em saúde. O documento aponta ainda para a necessidade de uma maior integração entre SUS, assistência social, segurança pública, ambientes escolares e espaços urbanos, com foco assistencial na população que mais precisa e para que brasileiros e brasileiras possam viver mais e melhor.
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COMO CITAR
Rosa, D., Pereira, J., Faria, M., Semente, M., Freitas, R., Tavares, S., & Nobre, V. (2023). Condições de Vida e Saúde. Diagnóstico n. 4 Mais SUS em Evidências. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos para Políticas de Saúde. https://ieps.org.br/diagnostico-4-condicoes-vida-saude/