O Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Juntô realizaram, na última sexta-feira (07/11), o webinário “O papel social da escola na promoção da saúde mental”, segundo encontro aberto do curso Da Lei à Prática: Como Implementar a Política Nacional de Saúde Mental nas Escolas. O evento reuniu representantes do Ministério da Educação e da Saúde, da Secretaria de Educação de Pernambuco e do Juntô e de seu Comitê Jovem para discutir a centralidade da escola na promoção do bem-estar e no enfrentamento das desigualdades que atravessam a comunidade escolar.
Abrindo o encontro, Filipe Asth, especialista em relações institucionais do IEPS e secretário executivo da Frente Parlamentar da Saúde Mental, que mediou o debate, destacou o ineditismo do curso e seu o objetivo de apoiar a implementação da Lei nº 14.819/2024, que institui a Política Nacional de Saúde Mental nas Escolas. “Queremos ajudar gestores, educadores, psicólogos e as equipes técnicas a compreenderem e aplicarem essa lei, fortalecendo a articulação entre a educação pública, o SUS e a assistência social e apoiando a construção de planos estaduais de saúde mental nas escolas”, afirmou.
Política de saúde mental territorializada, comunitária e democrática
Marcelo Kimati, diretor do departamento de saúde mental do Ministério da Saúde, defendeu a importância de olhar para as causas estruturais que afetam a saúde mental no ambiente educacional e a necessidade de considerar a diversidade dos territórios e das realidades sociais. “Não podemos pensar uma política nacional única que ignore as diferenças entre um bairro periférico e um bairro de classe média. O sofrimento é diferente, as causas são diferentes — e, portanto, as respostas também precisam ser”.
O diretor falou sobre a reativação do Fórum Nacional de Saúde Mental da Criança e do Adolescente, voltado à construção de políticas públicas participativas. “É um passo muito importante, o resgate dessa escuta sistemática e a incorporação desse processo democratizante dentro da construção e sistematização de uma política de saúde mental para crianças e adolescentes”, concluiu.
Redes de proteção social
Já Alexsandro do Nascimento, diretor de políticas e diretrizes da educação integral básica da SEB/Ministério da Educação, ressaltou que o Estado brasileiro ainda opera de maneira setorial, o que representa um desafio à implementação de políticas intersetoriais, como a Política de Saúde Mental nas Escolas.
“O Estado brasileiro não foi organizado para funcionar de maneira intersetorial. Cada secretaria e cada Ministério cuidam do seu foco principal. O que impõe muitos desafios quando se fala de políticas que demandam um articulação intersetorial, como é o caso da Política de Saúde Mental nas Escolas, que convoca a política educacional, de saúde, de assistência social e também as de garantia e proteção dos direitos humanos”, destacou o diretor.
Ele defendeu o fortalecimento do conceito de redes de proteção social para que as organizações possam atuar de maneira integrada, criando espaços institucionais de diálogo permanente entre educação, saúde, assistência e direitos humanos. “É preciso criar mecanismos, como protocolos, de formas de trabalho, de referência e contrarreferência, em que as equipes se encontrem para falar sobre o território e os estudantes”, pontuou.
A experiência de Pernambuco
Na sequência, Stéphanie Azevedo, analista em gestão educacional – na especialidade de Psicologia – da Secretaria de Educação de Pernambuco, apresentou o percurso do estado na construção de uma política de saúde mental nas escolas, iniciada em 2023 com a Política Estadual dos Núcleos de Cultura de Paz.
“Nossa política tem seguido caminhos importantes de sustentabilidade para que, de fato, se estruture como uma política pública forte e robusta”, enfatizou a representante de Pernambuco, destacando a criação do projeto EntreLaços, as iniciativas de alinhamento com as novas legislações nacionais e a chegada de 300 profissionais de psicologia e serviço social no estado.
Stefanie destacou ainda que a atuação é pedagógica e coletiva, não apenas clínica. “Todo mundo que está na escola é educador, do porteiro ao professor. Nosso papel é promover saúde mental a partir de intervenções pedagógicas e de um trabalho em rede.” Ela também reforçou que a saída para os desafios é coletiva. “A promoção de saúde mental se faz com a escola inteira envolvida, com a comunidade participando, e com políticas articuladas em rede. A saída é coletiva”, afirmou.
Juventude, pertencimento e escuta ativa
O protagonismo juvenil foi o centro da fala de Carlos Ramos, integrante do Comitê Jovem do Juntô. Indígena da etnia Miranha Purinã e estudante de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, o jovem trouxe uma perspectiva vivencial sobre o papel da escola . “A escola é um território e como todo território, ela pode ser um espaço de cura e acolhimento ou um espaço de silenciamento e adoecimento”, afirmou.
Carlos defendeu a importância de uma escuta ativa no ambiente escolar. “Escutar não é apenas o que o adulto ouve, mas o que ele faz com o que ouviu. Ou seja, escutar é quando a nossa opinião sobre o currículo, sobre as regras, sobre o ambiente, é levada a sério e gera mudanças”, enfatizou.
Ele também defendeu que escolas se tornem espaços antirracistas e decoloniais, que acolham saberes tradicionais e promovam o protagonismo juvenil de forma concreta, por meio de grêmios autônomos e representatividade real. “Nenhuma política de saúde mental será sustentável se for feita sem os estudantes. Ela pode ser excelente no papel, mas vai falhar na prática se não incluir nossas vozes. Por isso, o plano estadual precisa garantir espaço e orçamento reais para grêmios, comitês juvenis e formas concretas de participação”, afirmou.
Pilares e referências internacionais
Irene Silva, consultora do Juntô, reforçou os fatores estruturais que perpassam a saúde mental. “Quando olhamos para nossa saúde mental, se a gente está sofrendo discriminações, se as nossas condições econômicas e ambientais são ruins, tudo isso vai influenciar a nossa saúde mental. É importante estar atento a essas dimensões’, afirmou.
Ela destacou os cinco pilares recomendados pela OMS, Unesco e Unicef para a promoção de saúde mental nas escolas, que envolve a criação ambientes de aprendizagem saudáveis; a garantia de acesso à intervenção precoce; o cuidado do bem-estar dos professores; o fortalecimento da formação em saúde mental; e a garantia da colaboração entre escola, família e comunidade.
Além disso, a representante do Juntô apresentou experiências internacionais de promoção da saúde mental escolar, com base em iniciativas do Canadá e da Grécia. “Esses programas mostram que a formação e o apoio aos professores, a articulação entre setores e a adaptação local são fundamentais para que as escolas se tornem territórios de cuidado”, explicou.
Ao apresentar a adaptação brasileira do programa CAMHI, em desenvolvimento no estado de Pernambuco, Irene reforçou que o processo está sendo construído com a escuta ativa de professores e gestores e jovens do comitê Jovem do Juntô. “A escola tem um papel único de promoção e pertencimento. Quem cuida também precisa ser cuidado”, concluiu.
Da Lei à Prática: Como Implementar a Política Nacional de Saúde Mental nas Escolas
O webinário integra o ciclo formativo do curso Da Lei à Prática, que começou no início de setembro e desde então já teve aulas sobre a Política Nacional de Saúde Mental nas Escolas, o cenário da saúde mental em Pernambuco e no mundo e as estratégias de transformação, monitoramento e avaliação de políticas públicas em saúde mental.
O próximo encontro aberto será no dia 28 de novembro, às 10h, com o tema “A importância do protagonismo juvenil nas políticas públicas de saúde mental”.
O curso é promovido pela Unidade de Atenção Psicossocial às Escolas (UAPSE), por meio do Projeto EntreLaços, em parceria com o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e o Juntô – uma iniciativa do Global Center da Fundação Stavros Niarchos (SNF) para a saúde mental de crianças e adolescentes no Child Mind Institute (CMI), e com o apoio do Ministério da Educação (MEC). A iniciativa é um dos desdobramentos do Acordo de Cooperação Técnica assinado em 2024 entre a SEE-PE e o IEPS.