A Atenção Primária é a espinha dorsal do Sistema Único de Saúde (SUS) e sua qualidade é determinante para a redução das desigualdades em saúde no país. Por isso, sistemas de avaliação da atenção básica são essenciais para melhorar o acesso e os serviços prestados aos usuários do SUS. Esse é um consenso entre as especialistas que participaram da 16ª edição do Diálogos IEPS, realizada nesta segunda-feira (25/03) e transmitida ao vivo no canal do IEPS no Youtube.
O evento marcou o lançamento do Guia de Políticas de Saúde: Implementando Sistemas de Melhoria da Qualidade na Atenção Primária em Saúde, que apresenta um passo a passo para que gestões municipais de todo país possam implementar sistemas de melhoria da qualidade na APS. O Guia tem como referência o programa Recife Monitora, uma das frentes de trabalho do Qualifica Atenção Básica, fruto da parceria entre o IEPS e a Prefeitura do Recife, com apoio da Umane.
Agatha Eleone, analista de políticas públicas do IEPS, abriu o evento apresentando os principais aspectos do Guia e um relato da experiência da implementação do Recife Monitora na capital pernambucana. Segundo ela, em menos de um ano, o programa superou as expectativas de alcance na rede de saúde local e pode ser uma referência para municípios que queiram executar projetos similares.
“O Recife Monitora está implementado em 100% da rede de Saúde da Família do Recife e se consolidou como a diretriz de monitoramento de avaliação da qualidade do município – inspirando leis de bonificação para as equipes de saúde, por exemplo. Nesse primeiro volume do guia, contamos em detalhes todo o processo de implementação da estratégia, destacando os desafios, a logística e todo passo a passo necessário para que outros governos possam se inspirar nessa iniciativa de sucesso”, afirma a analista.
Apoio governamental é essencial para sucesso de iniciativas de avaliação da rede de saúde
Para Luciana Albuquerque, secretária de saúde do Recife, a implementação do Recife Monitora possibilitou a resolução de desafios complexos para a rede de saúde do município. Segundo ela, a parceria com o IEPS foi feita em um momento de reestruturação do sistema, após um diagnóstico das necessidades e dos reflexos da pandemia de Covid-19 na rede municipal de saúde.
A secretária destaca que atualmente a cidade vive um momento de efervescência e de ampliação da rede de saúde e, segundo ela, a implementação de um sistema de qualidade da atenção primária fez parte desse processo. “Não estamos construindo novas unidades, mas sim aumentando equipes, mobilizando o antigo e trazendo o novo. Por meio da parceria com IEPS estamos movimentando várias vertentes de valorização do trabalho e dos trabalhadores com inovação – que é o que nos anima e nos motiva”, afirmou.
Márcia Castro, chefe do departamento de Saúde Global da Escola de Saúde Pública de Harvard, também vê nas iniciativas de avaliação da Atenção Primária um passo essencial para a melhoria dos serviços prestados aos usuários do SUS. Para ela, a implementação de iniciativas de avaliação da APS precisam ter apoio do poder público. “Essas iniciativas precisam ter apoio municipal e até federal. Se você tem esse apoio, você demonstra que esse é um esforço conjunto para melhorar o serviço e que todos vão se beneficiar. O apoio é essencial para garantir recursos e estrutura para implementar esses sistemas”, destacou.
Para a pesquisadora, a confiança no processo avaliativo e a abrangência do sistema de avaliação para todas as equipes e atendimentos, incluindo os que ocorrem fora das unidades de saúde, são medidas essenciais nesse processo. Ela ressalta ainda a importância de políticas como o Recife Monitora serem institucionalizadas nos municípios, para que não sofram interferências das mudanças de gestão.
“Os resultados dos sistemas de avaliação da qualidade são tanto imediatos quanto de médio e longo prazo. É importante que essa política resista a mudanças de governo, para que possamos mostrar no longo prazo que investir na atenção primária é uma estratégia para garantir a saúde da população. É economizar dinheiro que a gente gasta no futuro exatamente porque não tomamos conta da população agora”, afirmou.
Requalificar a APS deve ser uma agenda prioritária para todo país
Gabriela Lotta, professora de administração pública e governo da Fundação Getúlio Vargas, enfatizou a importância do Recife Monitora e da avaliação da qualidade do sistema de saúde. Para ela, a qualificação dos serviços públicos ofertados para a população é também uma qualificação da imagem e do papel do Estado. “O Guia é uma referência excelente para o fortalecimento da APS, que sofreu muito com a pandemia e que já sofria com falta de financiamento e qualificação nos últimos anos. Essa deveria ser uma agenda prioritária no país todo, em todos os níveis federativos, já que a APS dá a ‘cara’ do Estado para muitos e muitas cidadãs no Brasil”, destacou.
A professora ressaltou que o Guia de Políticas de Saúde traz premissas essenciais para políticas de avaliação de sucesso, como o foco na territorialização e nos processos bottom up – que tendem a melhorar a aceitação dos grupos afetados e diminuir a resistência na implementação dos sistemas. Para ela, introduzir práticas de avaliação significa instigar mudanças culturais nos sistemas em que são implementadas, e esse processo deve gerar aprendizado e consequências para o dia a dia na rede de saúde.