O I Seminário da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental reuniu pesquisadores, ativistas e usuários da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), na última quarta-feira (8/5), no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, em Brasília, para debater temas fundamentais para o fortalecimento das políticas de saúde mental no país, como o acolhimento, a intersetorialidade e a legislação relacionada ao tema nos últimos anos.
A primeira mesa temática teve como tema “Os desafios do acolhimento e da promoção em saúde mental no Brasil” e foi mediada por Daniela Skromov, defensora pública do estado de São Paulo e diretora de relações institucionais do Desisntitute. Skromov participou ativamente do processo de desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos no estado de São Paulo e, junto com Rosangela Elias, fonoaudióloga e profissional do SUS que atuou no mesmo movimento, expôs a importância dos espaços de residência terapêutica em oposição aos hospitais psiquiátricos e às instituições de longa permanência.
A defesa por um cuidado em liberdade para as pessoas em sofrimento mental foi um consenso entre os participantes e também esteve presente na apresentação feita por Ana Paula Guljor, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). A especialista enfatizou que uma das diretrizes básicas para o acolhimento em saúde mental está relacionada com a compreensão de que os usuários do sistema são sujeitos com direitos e necessidades, e não pacientes portadores de transtornos.
Convivência, liberdade e acolhimento para garantir saúde mental
Ainda na primeira mesa de debate, profissionais e usuários da RAPS expuseram suas experiências com o cuidado em saúde mental. Ariadna Patricia, militante antimanicomial e professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apresentou dispositivos de promoção da saúde mental em diversos territórios brasileiros, considerando os Centros de Convivência e Cultura e os Centros de Convivência Cooperativa como parte essencial do cuidado em liberdade.
Deivisson Vianna, professor do departamento de saúde coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), expôs como o cuidado feito no território, por meio dos postos de saúde, é ideal para a promoção da saúde mental. O cuidado na Atenção Primária à Saúde (APS), segundo ele, permite um cuidado longitudinal, com facilidade de acesso aos pontos de apoio e à família dos usuários.
“A saúde mental deve ser cuidada no território e de preferência na atenção primária. Para tudo isso acontecer precisamos de expansão dos postos de saúde, de políticas que aumentem o financiamento de equipes de saúde mental e uma política que retome a estratégia da política nacional de humanização”, destacou Vianna.
Kleidson Oliveira, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Distrito Federal e usuário da RAPS, relatou, a partir da sua experiência pessoal, a importância do serviço público de cuidado para pessoas em sofrimento mental. Para ele, o cuidado público e humanizado deve ser fortalecido frente ao crescimento de entidades privadas e religiosas que oferecem tratamento para usuários de álcool e outras drogas. “A saúde mental tem um inimigo, é aquela pessoa que vê o corpo como uma forma de ganhar dinheiro”, enfatizou.
Ao final do debate, Prethaís, poeta, cantora e compositora, salientou a relação entre cultura e promoção da saúde mental, acentuando a necessidade de uma psicologia que pense em afrocentricidade, levando em consideração o processo escravagista que marcou e marca, até hoje, a história do país.
Pluralidade de territórios, políticas e serviços na saúde mental
A Intersetorialidade nas políticas de saúde mental foi o tema da segunda mesa temática do seminário, mediada por Dayana Rosa, especialista em relações institucionais e saúde mental do IEPS. Iniciando a discussão, Jeane Tavares, docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), destacou que as políticas de saúde mental precisam considerar a diversidade de territórios e de identidades da população, levando em conta culturas e marcadores sociais das diferenças; além de um trabalho conjunto de pessoas e instituições de diferentes áreas e setores. “Pensar a intersetorialidade na Saúde Mental é intuitivo, pois a saúde não é promovida em apenas uma consulta com um profissional da saúde, ela depende de diversas áreas e setores de trabalho, depende de qualidade de vida e de bem viver. Gerar sofrimento psíquico na população é uma estratégia política”, enfatizou.
Educação, trabalho, segurança e justiça: políticas de saúde mental devem ser intersetoriais
Raquel Guzzo, professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e membro titular do Conselho Federal de Psicologia, frisou que a intersecção entre escola, juventude e promoção de saúde mental é uma aliança essencial para o desenvolvimento de espaços de prevenção de saúde mental. A professora elogiou a aprovação das leis n. 13.935/2019 e a nº 14.819/2024, que instituiu a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares e foi apoiada pelo IEPS e pela Frente.
“A escola precisa dispor uma equipe multiprofissional que, junto com professores e professoras, possa acompanhar o processo de desenvolvimento dos estudantes. Acompanhar e prevenir para não medicar”, destacou, defendendo que a escuta ativa no ambiente escolar pode, inclusive, ser um meio de acionar a proteção para crianças e adolescentes por meio da mobilização de assistência social, serviços de saúde e outros órgãos.
Defendendo a intersetorialidade para a promoção da saúde mental para a população brasileira, Marcelo Kimati, professor de saúde coletiva da UFPR e assessor da presidência da FUNDACENTRO, e Haroldo Caetano, promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, destacaram a interseção entre saúde, trabalho e justiça. Kimati enfatizou que diminuir o sofrimento mental dos trabalhadores expostos à precarização do trabalho, à uberização e às consequências da pandemia é um desafio latente, enquanto Caetano destacou a importância do Poder Judiciário para a desinstitucionalização dos manicômios judiciários.
Nathália Oliveira, ativista do antiproibicionismo e fundadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, apoiou a defesa de que a criminalização das drogas está baseada em uma ideologia de aniquilamento e manutenção das raizes de opressão do povo negro do país. Crítica da PEC 45/2023, conhecida como PEC das Drogas, a ativista destacou que a proibição vai contra o desenvolvimento da saúde mental da sociedade pois normaliza uma guerra cotidiana.
Encerramento
A mesa de encerramento do Seminário contou com a participação da Dep. Tabata Amaral (PSB-SP), presidente da Frente; Dep. Dr. Francisco (PT/PI), presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados; Filipe Asth, secretário executivo da Frente; Marcia Woods, assessora de relações estratégicas da Fundação José Luiz Egydio Setúbal; Bruno Ziller, coordenador de projetos do Instituto Cactus e Mariana Luz, psicóloga clínica e fundadora do Instituto Janete Costa.
Filipe Asth destacou a importância do trabalho da Frente após um ano de atuação da iniciativa, e celebrou a pluralidade das discussões e trocas durante o I Seminário. “Agradeço a cada um dos integrantes do nosso Conselho Consultivo, a cada um dos parlamentares que tiveram a coragem de assumir uma coordenação na Frente Parlamentar, em que pudemos aprofundar temas tão difíceis, principalmente depois de uma pandemia”, afirmou.
Assista às mesas temáticas na íntegra