A disseminação de experiências de sucesso e boas práticas na Atenção Primária para aprimorar o rastreio de pessoas com fatores de risco, como tabagismo e obesidade, para doenças crônicas foi um consenso entre as especialistas que participaram da 18ª edição do Diálogos IEPS, realizado na última terça-feira (05/11) e transmitido ao vivo no canal do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) no Youtube. O debate completo pode ser acessado aqui.
O evento marcou o lançamento do segundo volume do Guia de Políticas de Saúde: Rastreando Fatores de Risco na Atenção Primária, que oferece orientações para gestores, profissionais de saúde, acadêmicos e demais interessados em qualificar o cuidado através do olhar ampliado para fatores de risco no território. O Guia foi elaborado a partir da experiência de implementação do InovAPS, um projeto do IEPS realizado em parceria com a Umane, na cidade de Sobral, no Ceará.
Caio Rabelo, consultor de projetos do IEPS e um dos responsáveis pela implementação do InovAPS, destacou que a produção reúne os desafios, a metodologia e a codificação da estratégia utilizada em Sobral. Para ele, o trabalho colaborativo e o engajamento dos profissionais de saúde do município foram essenciais para o êxito do projeto.
Antes do projeto tínhamos o registro de apenas 3 ou 4 fatores de risco na unidade piloto. A partir do estímulo e da implementação da iniciativa, esse registro foi aumentando quase exponencialmente na unidade Caio Rabelo, consultor de projetos do IEPS
“A APS tem uma capacidade muito grande de reduzir e educar a população para transformar os fatores de risco em fatores de proteção. Antes do projeto tínhamos o registro de apenas 3 ou 4 fatores de risco na unidade piloto. A partir do estímulo e da implementação da iniciativa, esse registro foi aumentando quase exponencialmente na unidade”, afirmou.
A jornada de inovação do InovAPS é estruturada em três etapas, que envolvem o rastreio dos usuários com fatores de risco, o manejo dos usuários identificados e diagnosticados e a construção de ações de prevenção. O Guia foca apenas na primeira etapa, o Inova Rastreio, mas Rabelo adiantou que os próximos volumes vão detalhar todas as etapas do trabalho realizado em Sobral.
Engajamento das equipes de saúde transformou o Centro de Saúde da Família (CSF) Alto do Cristo
Regilânia Parente, gerente do CSF Alto do Cristo, primeira unidade de saúde sobralense que aderiu ao projeto, destacou que o InovAPS foi responsável por transformar os processos de trabalho e a percepção da população sobre a importância da prevenção à saúde.
Segundo ela, muitos pacientes não se achavam com sobrepeso ou escondiam o uso do tabaco, por exemplo. Com o InovAPS, a equipe precisou fazer diversas manobras para identificar os casos e agendar atendimentos de prevenção, tarefa que só foi possível com a busca ativa dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e com a visita domiciliar de médicos e enfermeiros em casos críticos.
“Conseguimos sensibilizar a população para a importância da prevenção e de procurar a unidade de saúde mesmo sem estar sentindo nada, sem achar que está doente. Com o projeto começamos a refletir sobre a importância de trabalhar em cima dos fatores de risco e isso mudou o olhar tanto dos profissionais quanto dos usuários”, destacou a gerente.
Mudança em Sobral pode ser um exemplo para todo o país
As transformações em Sobral e a metodologia do InovAPS trazem ensinamentos valiosos e que podem servir de exemplo para outros municípios brasileiros. Para Patrícia Jaime, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, o rastreio de fatores como a obesidade e o sobrepeso, por exemplo, são um desafio urgente e necessário para controlar a carga das doenças crônicas no sistema de saúde.
Durante o evento, Jaime destacou que, para além da vigilância, são necessárias medidas de prevenção dos fatores de risco em diferentes esferas, como no caso da alimentação e da restrição de ultraprocessados. “A evidência científica é clara: a gente precisa falar de alimentação e de alimentos ultraprocessados. Isso significa que precisamos implementar o Guia Alimentar para a População Brasileira na APS. Já temos uma robusta evidência mostrando que quanto maior a participação de alimentos ultraprocessados maior o risco de se desenvolver obesidade, hipertensão e outras doenças”, afirmou.
O combate aos alimentos ultraprocessados e a importância da alimentação para o controle dos fatores de risco também foi destacado por Paula Johns, cofundadora e diretora da ACT promoção da Saúde. Para ela, o modelo de regulação do tabagismo também pode servir de exemplo para a regulação dos ultraprocessados e outros indutores de fatores de risco.
“A nível federal conseguimos avançar muito na mudança de ambiente em relação ao tabagismo. Preço alto, informação adequada no maço, proibição de fumar em ambientes fechados. Todas essas políticas que usamos contra o tabagismo no Brasil também podem ser usadas para outros fatores de risco”, aponta Johns.
Ela destacou ainda que a participação popular e dos profissionais de saúde na construção e efetivação de políticas públicas, como aconteceu no InovAPS, é essencial para fortalecer a cidadania e gerar melhores respostas para as políticas públicas.