Pessoas negras têm mais chances de sofrer acidentes ou incidentes adversos durante procedimentos médicos, revela boletim Çarê-IEPS
Foto: Leonardo Ratter/ASCOM Sesab
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A possibilidade de pessoas negras sofrerem acidentes ou incidentes adversos durante procedimentos médicos é maior em quase todo o país, com exceção da região Sul, revela o Boletim Çarê-IEPS n. 3 – Acidentes e incidentes adversos no período de internação segundo raça/cor elaborado pela Cátedra Çarê-IEPS, uma iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e do Instituto Çarê. A pesquisa mostra que, entre 2012 e 2021, no Norte e no Nordeste, as chances de internação por essas causas foram seis vezes maior entre pessoas negras, no Centro-Oeste três vezes maior e no Sudeste 65% maior. Apenas no Sul do país, a tendência se inverte e pessoas brancas apresentam 38% mais chances de sofretem  acidentes e incidentes adversos durante períodos de internação. 

Para Rony Coelho, pesquisador do IEPS e integrante da Catédra Çarê-IEPS, os dados demonstram como a população negra está mais exposta a situações de negligência ou erro médico. “Os dados confirmam, mais uma vez, os impactos das desigualdades raciais na saúde da população negra; que mesmo quando conseguem atendimento médico estão mais expostas a situações de risco, como cortes acidentais, perfurações ou, erros de dosagem e outras adversidades relacionadas à prestação de cuidados que podem ocorrer durante o período de internação”, explica Coelho.

Razão e taxas médias anuais (2012-2021) das internações por acidentes e incidentes adversos, segundo raça/cor. Fonte: Boletim Çarê-IEPS n. 3 com dados do SIH.

Razão e taxas médias anuais (2012-2021) das internações por acidentes e incidentes adversos, segundo raça/cor. Fonte: Boletim Çarê-IEPS n. 3 com dados do SIH.

Nos últimos anos, registros apresentam queda para negros e brancos

Entre 2010 e 2015, houve uma tendência de crescimento nos registros de internações por acidentes e incidentes adversos tanto para pessoas negras, quanto para as brancas. O pico de ocorrências de todo período analisado aconteceu em 2015, quando houve 7.083 registros (19,4 ocorrências por dia).  

A partir de 2016, a tendência se inverte para e em 2021, último ano analisado pela pesquisa, o número de registros foi de 4.697 (12,9 ocorrências por dia), mesmo patamar de 2010 quando foram registradas 4.617 ocorrências. Segundo o Boletim Çarê-IEPS n. 3 a tendência de queda nos registros identificada a partir de 2016 pode indicar, por um lado a melhorias na gestão e prevenção dessas situações e, por outro, um crescimento do volume de subnotificação.

No total, o Brasil registrou 66.496 internações por acidentes e incidentes adversos entre 2010 e 2021. 

Evolução em números absolutos dos acidentes e incidentes adversos. Fonte: Boletim Çarê-IEPS n. 3 com dados do SIH.

Evolução em números absolutos dos acidentes e incidentes adversos. Fonte: Boletim Çarê-IEPS n. 3 com dados do SIH.

Pico do número mensal de acidentes foi mais alto para a população negra

Apesar da diminuição geral identificada pelo boletim, o pico mensal de acidentes durante internações foi mais alto entre pessoas negras. Em junho de 2016, 241 pessoas negras sofreram algum evento adverso associado às causas da CID  (uma média de mais de 8 casos diários), enquanto o pico entre a população branca foi de 180 casos em junho de 2015 (uma média de 6 casos por dia). 

A taxa média de ocorrências de acidentes também foi maior entre a população negra. Enquanto as ocorrências entre pessoas brancas apresentaram queda entre 2014 e 2016, houve aumento entre a população negra. No período seguinte, houve uma tendência de diminuição para ambos os grupos seguida de estabilização em níveis paralelos, mas com índices ainda superiores entre pessoas negras. 

Já para os incidentes, a população branca apresenta as maiores taxas ao longo da série, apresentando pico elevado em 2016, mas com uma queda acentuada nos anos seguintes. 

O que são acidentes e incidentes adversos

Segundo a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), esses eventos adversos são condições hospitalares adquiridas de forma indesejável e não intencionais durante o período de internação hospitalar. Os eventos adversos incluídos no na CID-10 abrangem diversas intercorrências como cortes acidentais, erro de dosagem, perfurações e objetos estranhos deixados no corpo do paciente durante procedimentos médicos, entre outros. 

Segundo a pesquisa, a principal diferença entre acidentes e incidentes adversos está no contexto em que ocorrem as ocorrências. O primeiro está concentra eventos que são ocasionados durante a prestação de cuidados, enquanto o segundo envolve situações relacionadas ao uso de dispositivos médicos em procedimentos diagnósticos com aparelhos específicos de cada especialidade médica.