Desigualdade racial afeta equidade da saúde pública do Brasil, destacam especialistas na 5ª edição do “Diálogos IEPS”
Foto: Paula Fróes/Governo da Bahia
Foto: Paula Fróes/Governo da Bahia
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O Sistema Único de Saúde (SUS) é a única alternativa de suporte médico para grande parte da população negra no Brasil. No entanto, lacunas de atendimento ainda impedem que o serviço seja equânime e de qualidade para quem mais depende do SUS. O resultado é uma mortalidade maior entre negros, em comparação aos brancos no País, e exacerbada pela pandemia de COVID-19.

Com o objetivo debater a desigualdade social e racial no acesso à saúde de qualidade, o tema da quinta edição do “Diálogos IEPS” foi “Pandemia, participação social e políticas para a saúde da população negra no Brasil”. O webinário teve a participação de Luana Araújo, médica infectologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestra em Saúde Pública pela Johns Hopkins University e consultora no Hospital Albert Einstein; Ionara Magalhães, professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), membra do Comitê Técnico Estadual de Saúde da População Negra e do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO); Edna Araújo, doutora em Saúde Pública/UFBA, coordenadora do GT Racismo e Saúde da ABRASCO e professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); e Maria Letícia Machado, Gerente de programas do IEPS. A mediação foi do jornalista Ricardo Gandour.

A Gerente de programas do IEPS Maria Letícia Machado apresentou números que evidenciam a desigualdade racial na saúde: 70% das mortes de bebês negros de até 1 ano de idade poderiam ser evitadas (8% a mais que bebês brancos) segundo estudo da Fundação Abrinq, e o risco de suicídio entre adolescente e jovens negros, entre 10 e 29 anos, é 45% maior em comparação aos brancos nessas faixas etárias, de acordo com dados do Ministério da Saúde de 2016. “O Brasil ainda falha muito em entregar saúde pública de qualidade para toda a população brasileira, e a raça é um fator determinante nessa lacuna”.

Para mudar esse cenário, a Doutora em saúde pública pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Edna Araújo participou do Comitê Técnico Nacional da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), junto ao Ministério da Saúde, entre 2014 e 2016, para avaliar a implementação da Política. O Comitê atuou em quatro estados (Alagoas, Bahia, São Paulo e Sergipe) na formulação de um plano de indicadores de gestão da PNSIPN, como percentuais de mortalidade materna em mulheres negras e de negros acometidos por doenças crônicas.

No entanto, cinco anos depois, dados do Ministério da Saúde mostram que a PNSIPN ainda tem alcance limitado. Apenas 193 cidades brasileiras, 3% do total, adotaram a PNSIPN nos planos municipais de gestão da saúde.

“É por isso que muitos negros morrem, por falta de qualificação para identificar os problemas de saúde mais prevalentes na população negra, como o mapeamento da anemia falciforme”, disse Edna. 

Com medidas apenas pontuais e a chegada da pandemia, a médica infectologista Luana Araújo disse que a COVID-19 funcionou como uma “grande lupa”, ampliando as distorções raciais. “A COVID-19 é a doença; a pandemia é outra história, em que há acesso a recursos que são diferentes e determinados pela questão étnica e racial”.

Luana afirmou que a consequência é a desigualdade desde a prevenção à COVID-19 até o diagnóstico e tratamento. “Essa população negra talvez tenha tido menor acesso à água limpa para higienizar as mãos, a recursos econômicos para comprar e trocar máscaras, para se ausentar do trabalho presencial, para fazer um teste PCR, e a leitos de cuidado intensivo de qualidade”.  

A Gerente de Programas do IEPS Maria Letícia Machado destacou que as evidências trazidas por pesquisas indicam a necessidade de utilização dos sistemas de informação para o monitoramento das desigualdades raciais e da implementação da PNSIPN; de elaboração de políticas voltadas para a equidade no acesso à saúde pública; e de inclusão da temática racial na formação de profissionais.

Em meio aos desafios do setor, a Professora Adjunta da UFRB, Iolanda Magalhães, acrescentou a importância dos movimentos sociais para que o debate seja democrático. “Se quisermos saber quais são os problemas da sociedade, precisamos ouvir os movimentos sociais e abrir espaço no orçamento público para atender as demandas. É a cidadania ativa que melhora a gestão pública”.

O papel do IEPS, como entidade da sociedade civil, nesse debate é considerar as especificidades e as demandas da população negra em estudos que abordam o aprimoramento da gestão e da formulação de políticas públicas para a saúde. Em 2022, o IEPS vai ter uma Cátedra de pesquisa voltada para estudos em demografia e saúde da população negra, em parceria com o Instituto Çarê.

Assista ao Diálogos IEPS sobre saúde da população negra aqui.