Atrás apenas dos Estados Unidos no número de mortes por COVID-19, o Brasil enfrenta outra epidemia, silenciosa e que agrava ainda mais a do coronavírus: as Doenças Crônicas Não Transmissíveis, como a hipertensão, o diabetes, a pressão alta e a obesidade. Antes da pandemia, as DCNTs já eram responsáveis por três em quatro mortes entre os brasileiros, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e reforçaram a tragédia das 600 mil mortes por Covid-19 no Brasil.

No Distrito Federal, até junho deste ano, oito em cada dez vítimas da Covid-19 tinham comorbidades relacionadas às DCNTs, de acordo com a secretaria de saúde local. Enquanto isso, as diretrizes de cuidado estabelecidas pelas autoridades de saúde para essas doenças crônicas mostram, segundo especialistas, uma desconexão entre teoria e prática.

O Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em parceria com a Umane, produziu dois vídeos, que sintetizam apresentações e debates levados a público entre julho e setembro, em duas edições da série de seminários “Diálogos IEPS”. No primeiro, são identificadas as causas que impedem a implementação eficiente de linhas de cuidado das DCNTs. No segundo são propostos caminhos para resolução daqueles problemas estruturais.

O material é baseado nas evidências científicas do relatório “Panorama IEPS”, que analisou as linhas de cuidado de Doenças Crônicas Não Transmissíveis na atenção primária à saúde e foi conduzido pelos pesquisadores Agatha Eleone, Arthur Aguillar, Fernanda Leal, Helyn Thami, Jéssica Remédios, Maria Letícia Machado e Rebeca Freitas.

Falta de cadastro é principal problema

A principal causa que impede uma linha de cuidado eficiente das DCTNs, segundo os pesquisadores, é a lacuna no cadastro de usuários. A pesquisa nacional de saúde de 2019 indica que 40% dos domicílios não estão cadastrados em programas de atenção primária, criando os chamados “vazios sanitários”, onde a cobertura é praticamente inexistente. Sem dados, agentes do SUS encontram dificuldades para realizar atendimentos rotineiros de prevenção e para diagnosticar precocemente a hipertensão e o diabetes, como destaca a pesquisadora de políticas públicas do IEPS Jéssica Remédios:

“Se uma pessoa ligar para uma unidade de saúde e perguntar quantas pessoas com diabetes essa unidade monitora, é bem provável que alguns lugares não tenham a resposta”.

Outras pesquisas mostram que, na maioria das vezes, os pacientes iniciam acompanhamento médico somente após o diagnóstico de uma doença crônica, e não de forma preventiva. Segundo relatório de 2019 da Sociedade Brasileira de Pesquisa Científica (SBPC), 72% dos pacientes só descobrem alguma dessas doenças depois de apresentar algum sintoma, quando o quadro já pode ser grave e exigir procedimentos médicos de urgência e internações.

Confira no primeiro vídeo as sete causas que impedem a maior eficiência da linha de cuidado das DCTNs:

Como superar os gargalos?

Em um País em que quase a metade dos domicílios está em “vazios sanitários”, aumentar o alcance da atenção primária é o primeiro passo, de acordo com a coordenadora de projetos da Umane, Evelyn Santos. No processo de redução de barreiras ao acesso, Evelyn explica que o poder público precisa mapear onde as equipes de atenção primária não atuam, identificar áreas de maior vulnerabilidade da população às DCNTs e recrutar mais profissionais:

“Colocar tudo isso em operação é difícil, mas é possível buscar financiamento para expandir o horário de funcionamento das unidades de saúde e levar a atenção primária para espaços públicos e locais de socialização da comunidade, como praças”.

Além da expansão da atenção primária, os especialistas defendem uma qualificação do atendimento, a partir de:

– Treinamento apropriado de profissionais

-Planejamento conjunto e integrado da rede de saúde

-Acompanhamento contínuo de pacientes

-Informatização para a tomada correta de decisões 

-Humanização do tratamento

Saiba como cada um desses caminhos pode ser trilhado no segundo vídeo:

As Doenças Crônicas Não Transmissíveis são enfermidades de longa duração, cujas causas combinam fatores genéticos, fisiológicos, ambientais e comportamentais. Essas enfermidades podem acometer pacientes de qualquer idade devido ao fumo, ao consumo excessivo de álcool e à alimentação inadequada, assim como devem pressionar ainda mais o sistema público do País em meio ao envelhecimento da população brasileira, avaliam especialistas em gestão da saúde.

Tudo isso em um cenário de sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS), que ainda precisa lidar com internações e mortes por COVID-19, e com orçamento restrito no curto e médio prazos, como já alertou o IEPS na Nota Técnica: “Pressões Orçamentárias da Saúde para 2021 e Além”