A população idosa de menor renda apresenta os piores indicadores de saúde e menos acesso a cuidados médicos, segundo o Estudo Institucional n. 10 – Envelhecimento populacional e saúde dos idosos: O Brasil está preparado? do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). A combinação é ainda mais preocupante no cenário de envelhecimento acelerado da população brasileira, que pode chegar a 20% da população com 60 anos ou mais até 2035. Nesse ritmo, em apenas 8 anos o Brasil terá mais idosos do que crianças.
O impacto das desigualdade socioeconômica na saúde dos idosos é expressivo. O estudo aponta que idosos com mais de 75 anos com renda mais alta apresentam condições de saúde similares a idosos 10 ou 15 anos mais novos pertencentes ao grupo com menor renda. A pesquisa do IEPS aponta, por exemplo, que entre idosos de 80 anos ou mais pertencentes a 20% da população com maior renda, 52% possuem um estado de saúde bom ou muito bom. Já na parcela de menor renda, essa proporção é de apenas 35% entre idosos de 65 a 69 anos.
“As desigualdades de saúde entre idosos de diferentes recortes socioeconômicos são muito expressivas. Pela natureza da pesquisa, não é possível determinar as causas dessas desigualdades, mas é muito provável que estejam relacionadas à acumulação de desigualdades nas condições de vida e no acesso a cuidados de saúde ao longo das outras etapas da vida”, destaca Matías Mrejen, pesquisador do IEPS e um dos autores do estudo. Mrejen enfatiza ainda que essas desigualdades se manifestam também em outras dimensões da vida da população idosa. “Idosos de 80 anos ou mais de renda alta participam de atividades sociais em proporção similar a idosos de baixa renda de 60 a 64 anos”, pontua o pesquisador.
A desigualdade nas condições de saúde também envolve questões de gênero. Apesar das mulheres terem maior expectativa de vida, os indicadores de saúde tendem a ser piores entre idosas do que entre idosos. O estudo aponta, por exemplo, que a prevalência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT’s), como diabetes e hipertensão, é similar entre mulheres de 60 a 64 anos (68%) e entre homens pelo menos 15 anos mais idosos, de 80 anos ou mais (70%).
99,2% dos idosos de menor renda que precisam de ajuda para realizar atividades do dia a dia contam apenas com seus familiares
Entre 1998 e 2019, aumentou a parcela das famílias brasileiras que compartilham suas casas com pessoas idosas. O Estudo Institucional n. 10 mostra que o número de residências com idosos ou compostos exclusivamente de idosos acompanhou o processo de envelhecimento da população. O número de domicílios com presença de idosos e não idosos cresceu de 19%,9% em 1998 para 23,4% em 2019, já o número de domicílios compostos exclusivamente por idosos subiu de 2,7% para 7,5% no mesmo período.
Uma dimensão importante do envelhecimento é o aumento das limitações funcionais para realizar atividades da vida cotidiana, como comer ou tomar banho. Os impactos dessas limitações atingem não só o próprio idoso, mas também seus familiares. O estudo apontou que em todos os recortes socioeconômicos são os familiares os principais responsáveis em prover tarefas de cuidado para idosos que precisam de ajuda para realizar essas atividades. Apesar disso, a contratação de profissionais, como enfermeiras/os e cuidadoras/os, é bem maior entre famílias com renda mais elevada. Enquanto, 99,2% dos idosos mais pobres com limitações funcionais contam apenas com os familiares, o número entre idosos com maior renda chega a 69%.
Responsabilidade de cuidar de familiares idosos afeta inserção de mulheres no mercado de trabalho
Nas famílias com idosos que apresentam limitações para executar tarefas de rotina, as mulheres são as principais responsáveis pelas tarefas de cuidado. O estudo aponta que a probabilidade de uma mulher em idade ativa ter que realizar essas tarefas em domicílios com idosos que precisam de ajuda para realizar atividades da vida diária é 61,3%, quase o dobro do que para homens que residem nesses domicílios (33,9%). A distribuição desigual dessas tarefas entre homens e mulheres pode impactar a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Segundo o estudo, para mulheres que provêm cuidados pessoais, existe uma queda de 66,8% para 60,6% na probabilidade de estarem ativas no mercado de trabalho e uma queda de 2 horas na quantidade de horas trabalhadas por semana.
Para Matías Mrejen, o cenário demanda atenção, já que o Brasil dá poucos indícios de que está preparado para cuidar da sua população idosa. “O envelhecimento da população traz muitos desafios para o País, tanto para o sistema de saúde quanto para os arranjos de provisão de cuidados. Por isso, é importante questionar se estamos preparados para fazer frente a esses desafios. Existem estudos que mostram que pouco mais de 1/3 dos municípios brasileiros possuem instituições de cuidados de longa permanência para idosos. Além disso, a disponibilidade de profissionais de saúde especializados na população de idosos ainda é relativamente baixa: menos de 1% dos formandos em residências médicas concluem formação em geriatria e gerontologia”, explica o pesquisador do IEPS.