O número de vagas em cursos de nível superior na área da saúde triplicou nos últimos 14 anos. A oferta para os cursos de Psicologia, Enfermagem, Nutrição, Odontologia e Medicina passou de cerca de 258 mil vagas para 851 mil entre 2010 e 2023. Os dados são do Boletim Radar Mais SUS n. 4 – Oferta e demanda no ensino superior em saúde no Brasil, elaborado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em parceria com a Umane, e lançado nesta quarta-feira (18).
Evolução do número de vagas totais e por cursos de saúde, Brasil, 2010-2023 (em milhares). Fonte: Boletim Radar Mais SUS n.4
O boletim mostra que todos os cursos analisados registraram um aumento na oferta de vagas, com destaque para os cursos de Odontologia e Psicologia, cujas vagas passaram, respectivamente, de 19 mil para 116 mil e de 68 mil para 280 mil. A formação superior em Enfermagem teve o menor crescimento relativo, mas ainda assim apresentou números expressivos, registrando um aumento de 126% no período analisado na pesquisa – de 115 mil para 260 mil vagas.
Marcella Semente, analista de relações institucionais do IEPS, destaca que o crescimento das vagas na área da saúde é positivo, mas sua concentração no setor privado deve ser vista com cautela. “A expansão da oferta de vagas é positiva pois temos cada vez mais profissionais de saúde sendo formados para atender a uma demanda que é crescente, considerando o envelhecimento populacional. Mas ela não garante impacto positivo direto sobre o sistema público de saúde se não houver coordenação que induza o perfil de profissional que está sendo formado, e políticas que atraiam e fixem esses profissionais para o SUS”.
Expansão de vagas está concentrada no setor privado
O setor privado foi responsável por criar 97% das novas vagas nos cursos de Enfermagem, Psicologia, Nutrição, Odontologia nos últimos 14 anos. O setor foi responsável também por 82% das vagas abertas para o curso de Medicina. Segundo o boletim, essa discrepância entre a oferta de vagas entre o setor público e o privado se explica, em parte, pela maior capacidade das instituições privadas de operarem com turmas mais numerosas. Em 2023, cada curso criado no setor público ofertava, em média, 82 vagas por turma, enquanto no setor privado essa média foi de 209 vagas por turma — um número 2,5 vezes maior.
Distribuição de vagas por cursos de saúde segundo categoria administrativa da instituição de ensino, Brasil, 2010 e 2023. Fonte: Boletim Radar Mais SUS n.4
O boletim também mostra que, em 2023, apenas 5% das vagas em cursos da área da saúde foram ofertadas por instituições públicas, um número consideravelmente menor que os 12% registrados em 2010. A concentração é especialmente alta nos cursos de Psicologia e Enfermagem, que somam 270,8 mil e 248,8 mil vagas em instituições privadas, contra apenas 8,8 mil e 11,5 mil vagas, respectivamente, no setor público.
Marcella Semente enfatiza que a expansão acelerada das vagas no setor privado acende alertas sobre a qualidade da formação dos profissionais e sua inserção no SUS.
“O desafio que o enorme crescimento da oferta de vagas no setor privado coloca é que ele não está atrelado às demandas do setor de saúde, e existem demandas urgentes, principalmente relativas a especialidades médicas, como oncologia e geriatria. Apesar de não ter sido analisado neste estudo, é preciso pensar na formação dos especialsitas e nas necessidades mais prementes do SUS, que atende 75% da população brasileira.”
Demanda por cursos não acompanha crescimento de vagas
Apesar da expansão acelerada da oferta de vagas, a demanda por cursos da área da saúde cresceu em ritmo mais lento. Entre 2010 e 2023, enquanto o número de vagas mais do que triplicou, o total de inscritos aumentou 2,4 vezes. No curso de Medicina, por exemplo, a oferta de vagas cresceu 3,6 vezes, passando de 16.468 vagas para 60.555, enquanto o número de inscritos aumentou 88%, passando de 542.007 para 1.019.955.
Número de candidatos por vaga, por cursos de saúde, Brasil, 2010-2023, anos selecionados. Fonte: Boletim Radar Mais SUS n.4
A análise da taxa de concorrência nos cursos de saúde reforça esse cenário. Nas instituições privadas, a relação candidato/vaga caiu de 2,2 para 1,8, com redução observada em todos os cursos, exceto Psicologia, que apresentou um aumento de 21% nesse indicador.
Nas instituições públicas, por outro lado, houve crescimento na concorrência, com a razão candidato/vaga passando de 20,6 para 24,7. A única exceção foi o curso de Medicina, cuja taxa caiu de 54,5 para 50,1, reflexo da ampliação significativa da oferta de vagas no período.